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8 de novembro de 2009

Uniban expulsa aluna que foi à aula com vestido curto



A estudante Geisy Villa Nova Arruda, 20, hostilizada por cerca de 700 colegas ao usar um vestido curto no campus da Uniban em São Bernardo do Campo, onde cursa turismo, foi expulsa ontem pela universidade por "desrespeito à dignidade acadêmica e à moralidade".
Um grupo de seis a oito estudantes (a Uniban não soube dizer ontem o número exato) que participou da manifestação contra ela, no dia 22 de outubro, foi punido com suspensão, por tempo a ser definido.
A Uniban tomou as decisões após uma sindicância concluir que a estudante "provocou" os colegas, "o que resultou numa reação coletiva de defesa do ambiente escolar". Segundo Décio Lencioni Machado, assistente jurídico da instituição, Geisy "tem uma postura incompatível com o ambiente da universidade", pois sempre utiliza roupas curtas e decotes e tinha atitudes "insinuantes".
A estudante afirmou que pretende processar a Uniban. "Como me expulsaram? Que absurdo. Eu fui a vítima, quase fui estuprada, como puderam fazer isso?", disse. A mensalidade do curso, de R$ 310, é paga pelo pai dela, que é supervisor de serviços -Geisy não trabalha.
Segundo Machado, o que levou à decisão não foi o vestido, mas a "postura" dela. "O problema não era a roupa, mas a forma de se portar, de falar, de rebolar." Por isso, diz, ela já havia sido advertida verbalmente por fiscais de disciplina da universidade e pelo coordenador do curso de turismo -ela nega.
No dia do tumulto, de acordo com ele, quando a aluna saiu escoltada pela Polícia Militar do campus, a universitária "subiu com as mãos o vestido que usava, deixando-o mais curto". Além disso, diz, ela entrou na sala de outro curso, quando o professor já dava aulas, porque um estudante queria conhecê-la. "Segurava uma bolsa enorme em uma mão e um fichário na outra, como levantaria o vestido?", questiona Geisy.
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A Uniban publica comunicado hoje na Folha sobre a expulsão. A universidade diz que decidiu tornar público o fato porque Geisy também utilizou veículos de comunicação para contar sua versão dos fatos.
A defesa da estudante não quis comentar por não ter sido notificada. Segundo a universidade, após a decisão, ainda de madrugada, um motoboy tentou entregar uma carta a Geisy informando a expulsão, mas ninguém atendeu na casa dela.
Geisy afirma que só às 16h um motoboy foi a sua casa, mas ela se recusou a receber o documento e pediu que ele fosse entregue a seus advogados. Ela afirmou que, caso eles não recebam a notificação, voltará às aulas na segunda-feira.
Especialistas ouvidos pela Folha criticaram a medida. A mãe da estudante, que pediu para ser identificada apenas por Maria, considerou a decisão absurda. "É o jeito dela de se vestir, desde pequena foi assim. Ela não é a única", disse. (TALITA BEDINELLI, ALENCAR IZIDORO, LUISA ALCANTARA E SILVA, ESTÊVÃO BERTONI E CATHARINA NAKASHIMA)
Expulsão atesta incompetência, diz entidade
Para coordenadora de comitê de defesa da mulher, universidade, que deveria promover discussões, teve atitude autoritária
Educadores, advogados e outras entidades ouvidas pela Folha também fazem críticas à decisão da Uniban; ONG diz que fará protesto
Da reportagem local
"Ao expulsar essa menina, a universidade assina seu atestado de incompetência", afirma Samantha Buglione, coordenadora do Cladem (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) no Brasil. "O espaço que deveria promover a discussão está tendo atitudes simplificadas e autoritárias", diz ela. "Para a universidade ser intolerante em questões de moralidade neste nível é porque ela está completamente desvirtuada do que deveria ser", afirmou.
As opiniões de Buglione refletem um pouco a contrariedade de boa parte dos educadores, advogados e entidades de defesa das mulheres ouvidos pela Folha sobre a punição da Uniban à jovem que foi hostilizada ao usar um vestido curto.
Para Buglione, a função da Uniban era promover um debate, e não mandar a estudante embora. "Esse caso é uma excelente metáfora para mostrar como a universidade não está mais sendo universidade", afirma ela, que também é professora de direito da Univali (Universidade do Vale do Itajaí).
"Como é uma instituição que se propõe a fazer um trabalho educativo, a expulsão deveria ser a última medida", avalia Sabrina Moehlecke, doutora em educação pela USP e professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Ressalvando falar em tese, por não ter acompanhado detalhes do caso, ela acrescenta: "Mesmo que as pessoas venham com hábitos, formas de agir e de se vestir inadequados, a instituição tem a função de criar formas de lidar com isso".
O promotor de Justiça Roberto Livianu, do Movimento do Ministério Público Democrático, afirma que a decisão é um "exagero", "foge à razoabilidade" e lembra "posturas fundamentalistas islâmicas".
O professor de direito constitucional João Antonio Wiegerinck avalia que a expulsão só ocorreu devido à repercussão do tema na mídia, e não pelo comportamento da aluna. Ele afirma que a roupa da jovem era inadequada ao ambiente de estudo.
"Faltou bom senso à estudante. Mas dou aula há mais de oito anos. Há roupas piores."
Segundo Wiegerinck, é praxe nas instituições de ensino regulamentos para punir alunos por comportamentos do tipo. Mas ele ressalta a necessidade de uma gradação para os casos de reincidência -como advertência e suspensão, sempre por atos formais, e não verbais.
Ato público
Para Sônia Coelho, militante da SOF (Sempreviva Organização Feminista), a expulsão da estudante é um retrocesso e mostra a falta de compromisso da instituição com a educação.
"É preciso trabalhar prevenindo a violência. O contrário do que a universidade está fazendo. A aluna deveria ser acolhida, e os alunos, educados."
A SOF afirma ter buscado contato com a universidade para propor um ciclo de debates sobre a violência contra a mulher. Sem sucesso, decidiu fazer um ato público no dia 18 na frente da Uniban -que, com a expulsão, pode ser antecipado.
A decisão da universidade, ao ver a reação contra a jovem como defesa do ambiente escolar, diz Sônia Coelho, põe em risco todas as mulheres. "Qualquer uma que se vista com um short ou vestido pode ser abordada de forma pior. Daqui a pouco as mulheres serão apedrejadas."
A fundadora da União de Mulheres de São Paulo, Maria Amélia de Almeida Teles, diz que a atitude da Uniban mostra que ainda existe discriminação e reforça a existência do preconceito: "É difícil acreditar que em pleno século 21 a mulher não tenha direito a dispor de seu próprio corpo e a se vestir da maneira que desejar".

Publicado pela Folha de S.Paulo, 08/11/09.

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