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8 de novembro de 2009

Com Lei Maria da Penha, mulheres vencem o medo e denunciam agressores



Anderson Dezan, do Último Segundo

Quando conheceu o ex-namorado, a estudante de Direito Carolina, de 26 anos, achou que tinha encontrado o homem ideal. Amoroso, educado, gentil, divertido, ele atendia praticamente a todos os requisitos que uma mulher procura. No entanto, com o passar do tempo, a universitária descobriu mais uma faceta do antigo companheiro, o ciúme. A partir daí, seu sonho começou a desmoronar até que, por causa da desconfiança, ela foi agredida fisicamente duas vezes. Amedrontada, mas também inconformada, Carolina denunciou o ex-namorado usando a lei Maria da Penha. Sancionada em agosto de 2006, a lei 11.340 cria mecanismos para coibir a violência contra a mulher e prevê que os agressores sejam presos em flagrante ou tenham prisão preventiva decretada.
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“No início ele era o melhor namorado do mundo. Aquele tipo que está sempre te surpreendendo com presentes, flores e chocolates. No entanto, ele era muito ciumento”, conta Carolina. “Como eu havia saído de um noivado de cinco anos e meio, com casamento marcado, ele sempre se sentiu muito inseguro e pensava que eu poderia deixá-lo a qualquer momento”.
De acordo com a estudante de Direito, a primeira agressão sofrida aconteceu durante um passeio de barco com amigos. O ex-namorado bebeu muito durante o programa e, embriagado, começou a se insinuar para outras mulheres. Chateada com a situação, Carolina tentou conversar com ele, mas, percebendo sua indiferença, se afastou. Momentos depois, a universitária disse que ia embora, o que irritou profundamente o ex-companheiro.
“Ele ficou muito nervoso, falava alto e estava completamente bêbado, fora de si. Mesmo assim, ele insistia em conversar comigo. Muito triste, eu disse que não tinha nada para falar. Na discussão, ele apertou meus pulsos e eu pedi que soltasse, pois já estava me machucando. Com muita raiva, ele disse que eu ia ver o quer era machucar de verdade, quando me pegou pelos cabelos, jogou minha cabeça contra o casco interno do barco, me deu três tapas no rosto e apertou meu pescoço a ponto de me faltar ar”, relembra.
Carolina conta que no mesmo dia da agressão o ex-namorado chorou, pediu perdão e prometeu parar de beber. Segundo a universitária, ele disse que não saberia viver sem ela e que iria se matar se estivesse ao seu lado. Com esperanças de que acontecesse uma mudança, a estudante o perdoou, mas cinco dias depois as agressões voltaram ainda piores. Com diversos hematomas pelo corpo e sentindo-se humilhada, Carolina passou 17 dias amedrontada, até que, incentivada por amigos, ela decidiu ir à delegacia e denunciar o ex-namorado através da lei Maria da Penha.
“Mesmo estando na delegacia da mulher, eu me senti mal. A todo tempo perguntavam se eu tinha certeza do que estava fazendo. Que com aquele ato eu estaria prejudicando o meu ex-namorado de diversas maneiras”, diz a jovem, que chegou a perder 14 quilos por conta do trauma.
Assim como a estudante de Direito, a dona de casa Maria de Fátima, de 52 anos, também venceu o medo e denunciou o ex-marido. Segundo ela, o casal morou junto por sete anos. Com o relacionamento desgastado por brigas e desentendimentos, a dona de casa decidiu pôr um ponto final na união em 2007. No entanto, a separação não foi bem aceita pelo antigo companheiro.
“Antes das agressões físicas, ele já gostava de me agredir com palavras. Sempre me xingava e me humilhava em público com palavrões. Até que um dia nos separamos e ele começou a me perseguir, a me ameaçar pelo telefone. Um dia, para ver se ele me deixava em paz, eu disse que tinha outra pessoa e a partir daí começaram as agressões físicas”, relata.
Para Maria de Fátima a maior violência sofrida aconteceu no último mês de março. Na ocasião, o ex-marido invadiu sua casa com um facão disposto a matá-la. Cansada dessa situação, a dona de casa foi à delegacia e denunciou o agressor. Segundo ela, a tentativa de homicídio deixou marcas que ficarão para sempre gravadas.
“Ele invadiu minha casa com um facão para me matar. Eu corri para o banheiro para me esconder, mas na confusão minha mão ficou para fora e ele quase decepou meu dedo. Hoje, eu não consigo fechar minha mão completamente e tenho que fazer fisioterapia”, conta.
Denúncias
Dados da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres mostram que a Central de Atendimento à Mulher (número 180, serviço 24 horas) registrou 269.977 chamados entre janeiro e dezembro de 2008. O número representa um aumento de 32% em relação ao ano de 2007 (204.978). Segundo a secretaria, o Distrito Federal foi o local que mais entrou em contato com a central, com 351,9 atendimentos para cada 50 mil mulheres. Em segundo lugar, ficou São Paulo (220,8) e Goiás em terceiro (162,8).
Mesmo com o aumento de denúncias, ainda há muito que fazer. Um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revela que desde que a lei Maria da Penha entrou em vigor até dezembro do ano passado foram abertos no País mais de 150 mil processos relativos a violência contra mulheres. Desse total, quase 76 mil foram concluídos e somente 1,8 mil resultaram em punição.
Para o presidente do CNJ, Gilmar Mendes, há êxito na aplicação da lei apesar do baixo número de punições. A afirmação foi feita durante a Terceira Jornada sobre a Lei Maria da Penha, realizada no final do mês de março, em Brasília.
“A experiência [de aplicação de lei] está sendo bem sucedida. Haverá aqui ou acolá a necessidade de aperfeiçoamento, mas em áreas como essa, o jurista tem que calçar as sandálias da humildade e consultar as pessoas em geral, as que são vítimas e também ouvir profissionais de outras áreas”, disse na ocasião.
Mudanças
Durante o encontro também foi levantada a necessidade de se ampliar os centros de referência, que dão suporte às mulheres após a denúncia de agressões. Para a educadora da Ong feminista SOS Corpo, Carla Batista, a lei Maria da Penha deixa clara não somente a urgência da mudança na estrutura, como também na Justiça.
“A lei Maria da Penha exige uma modificação de comportamento da própria Justiça brasileira. Eu acho que essa modificação irá levar um tempo. Uma mudança também na estrutura dos serviços, inclusive nas delegacias que recebem as denúncias”, avalia.
Segundo Carla, boa parte do País precisa ainda passar por uma transformação cultural, no sentido de entender a violência contra a mulher como sendo um crime. Ela ressalta que a aceitabilidade da agressão doméstica como uma questão natural infelizmente ainda está muito presente na sociedade brasileira.
“Durante séculos, a sociedade pregou que o marido tinha direitos sobre sua esposa, o companheiro sobre sua companheira e o namorado sobre a namorada. Esse direito, inclusive, vinha com a prerrogativa de violentá-la com palavras, atitudes e agressões. Então essa mudança na sociedade de começar a enxergar esses fatos como violência ainda está em progresso”, analisa a educadora.
Carla acredita que a lei Maria da Penha, por estar sendo muito divulgada, pode agir como um fator de prevenção da violência doméstica. Para ela, as mulheres tendo conhecimento dos seus direitos irão se sentir mais respaldadas ao fazer uma denúncia.
“Eu acredito que a lei, por estar sendo amplamente conhecida e debatida, tenha o poder de inibir os agressores e de estimular as mulheres a fazerem denúncias, ainda que o Judiciário esteja muito aquém de receber essa demanda”.
De acordo com a estudante de Direito Carolina, após fazer a denúncia contra o ex-namorado, o mesmo desapareceu de sua vida. A universitária avalia que a lei possui pontos a favor, como a garantia de proteção à vítima, que em seu caso, segundo ela, foi fundamental, mas em compensação há a lentidão da Justiça brasileira. A primeira audiência de seu processo foi marcada para quase um ano após a agressão. No caso da dona de casa Maria de Fátima, a audiência ainda nem foi marcada.
Carolina diz já ter superado as agressões pelas quais passou e ainda faz terapia para se livrar totalmente dos traumas. “Uma mulher que sofreu esse tipo de violência precisa de carinho e muita terapia para entender, aceitar aquilo que aconteceu e superar tudo”, conta. “Depois de tanto sofrimento que trazem reflexos até hoje, tem uma hora que temos que nos levantar de qualquer maneira”.
*Os sobrenomes das mulheres que prestaram depoimento à reportagem foram omitidos para preservar a identidade das mesmas.

Publicado por - Último Segundo 05/04/09

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